Dê uma chance para Slumberland

Milena Demetrio
6 min readDec 14, 2022

Nemo é uma menina de 11 anos que mora com seu pai em um farol, numa pequena ilha. Toda noite antes de dormir ela ouve historias sobre as aventuras que seu pai viveu com seu amigo Flip. Numa noite a história é interrompida por um chamado de ajuda, vindo do rádio do farol.

Naquela noite Nemo sonha com uma grande tempestade, que a envolve, fazendo-a cair em um redemoinho de água idêntico ao da historia que seu pai lhe contou. Neste sonho Nemo tem a premonição da morte de seu pai quando vê seu barco afundar. Pela manhã, quando a guarda costeira aparece, ela recebe a notícia do falecimento de seu pai sem surpresa, e se despede do farol para morar com seu tio na cidade.

Em sua primeira noite de sonhos na casa nova, Nemo é levada de volta ao farol e conhece Slumberland, a Terra dos Sonhos, lá ela encontra Flip revirando sua casa em busca do mapa para um tesouro no Mar dos Pesadelos. Flip é um fora da lei que vive entrando em sonhos alheios para saqueá-los, ele conta para Nemo que o tesouro mágico permite controlar os sonhos em Slumberland, assim, a garotinha poderia ver seu pai novamente.

Em cinco atos, e duas horas de duração, o filme nos leva pela jornada de superação de luto e amadurecimento da personagem principal, que vive uma aventura fantástica. Apesar das duras críticas sobre “falta de criatividade” no roteiro e escolha de Jason Momoa como coadjuvante cômico, o filme é muito bom, tem profundidade psíquica e emocional e apresenta uma verdadeira jornada da heroína.

Assisti este filme em quatro partes, pois estava na estrada rumo a minha lua de mel. Foi uma boa experiência acompanhar a obra dessa forma, pois a história pode ser cansativa. O filme, que é baseado nos quadrinhos “Little Nemo in Slumberland”, de Winsor McCay, poderia facilmente ser um seriado ou uma minissérie, e talvez fosse mais interessante se fosse montado assim, principalmente no quesito de liberdade criativa e exploração da Terra dos Sonhos.

O que me interessou neste filme foi a atuação de Momoa, geralmente escalado para papéis de ação e vilania, estrelou um personagem cômico e fantástico, que lembra muito o chapeleiro louco. De início confesso que não gostei do ator neste papel, ele parecia pouco confortável e forçado, mas, compreendo que ele estava fora de sua zona de conforto, como ele mesmo disse:

“Nunca havia feito nada assim antes, o que é muito excitante, porque normalmente as pessoas querem me ver fazendo um tipo diferente de ação, e eu nunca tinha tido a oportunidade de fazer comédia.”

“Eu sempre quis fazer coisas bobas e ser pateta [na frente das câmeras], e finalmente me deram essa chance. É a minha primeira vez.” (Jornal de Brasília).

O ator já tinha expressado a vontade de fazer papéis diferentes dos que ele geralmente era escalado, como comédias e aventuras, para se desvencilhar da imagem machista que filmes como “Conan, o bárbaro” e a série “Game of Thrones” lhes deram. Além disso, ele comentou que estava cansado de ser cotado apenas para interpretar vilões ou personagens machistas:

“Tem sido difícil porque as pessoas sempre pensam que eu sou apenas esse cara que interpreta [personagens machistas]”, disse Momoa. “Mas eu quero me emocionar, quero algo novo. As coisas estão mudando, e até os papéis de vilões que estou interpretando agora são excêntricos.” (RollingStone)

Uma guinada em sua carreia foi o filme “Aquaman e o Reino Perdido”, que lhe deu a oportunidade de sair do rol de vilões de Hollywood. Em Slumberland vemos um Momoa bem diferente, carismático, engraçado e meio bobão, o que parece estranho para um homem de seu porte físico, e isso pode causar certo desconforto a primeira vista, como fica evidente ao buscar por comentários sobre o filme na internet. Apesar disso, o filme atende ao que promete, sendo uma aventura fantástica para a família, que pode proporcionar a mães e pais duas horas de descanso mental.

A grande joia do filme é sua protagonista, Marlow Barkley de 13 anos, a atriz mirim já participou de diversos episódios de séries e dublagens, sendo conhecida por sua atuação em Spirited: Um Conto Natalino (2022) Single Parents (2018). A pequena é simpática e muito expressiva, sua atuação é genuína e marcante, ainda mais em um filme que fala sobre luto e construção de relacionamentos familiares. Contracenando com Marlow no mundo acordado está Chris O’Dowd, seu tio Phillip, que também entrega um personagem bem estruturado, que tem capacidade de nos fazer odiá-lo e amá-lo.

Entendo as críticas de falta de criatividade do roteiro, pois o filme usa claramente a jornada do herói, de Joseph Campbell, assim como muitos outros filmes hollywoodianos. A fórmula básica pode ser em três ou cinco atos, eu identifiquei que Slumberland é uma história em cinco atos:

· Ato 1: A configuração: o que está acontecendo? O incidente incitante acontece. = A vida cotidiana no farol até a morte do pai de Nemo.

· Ato 2: A ação aumenta. Conflitos surgem. = Nemo visita o farol onde morava em Slumberland (Terra dos Sonhos), e conhece Flip, que busca o mapa de um tesouro mágico, o qual permitiria a ela ver seu pai novamente. Flip é preso na terra dos sonhos pelo Gabinete de Atividades Subconscientes.

· Ato 3: Tudo chega ao clímax. = Nemo ajuda Flip a escapar da prisão, e eles chegam até o mar dos pesadelos, onde estariam as pérolas. Nemo revela a identidade de Flip no mundo acordado, eles discutem e Flip desiste de acordar ao saber como é sua vida real. Nemo acorda e enfrenta problemas no mundo real, briga com seu tio e foge de casa para voltar ao farol de barco.

· Ato 4: Ação decrescente. Pontas soltas são amarradas, e tudo é explicado. = No caminho uma tempestade faz com que ela fique inconsciente e volte para Slumberland, onde encontra as pérolas mágicas. Em meio ao ataque de um pesadelo Flip aparece para ajudá-la, e Nemo precisa uma escolha: usar a pérola para salvar Flip do ataque do pesadelo ou ver sei pai novamente.

· Ato 5: Resolução/conclusão. Pode revelar para onde vamos a partir daqui. = Nemo despede-se de seu pai em Slumberland e faz as pazes com seu tio no mundo acordado, abraçando uma nova realidade que a permite responder a pergunta que seu pai faz no começo do filme: “para quê serve o farol?”

Como eu assisti a obra em 4 partes confesso que os últimos 30 minutos foram muito emocionantes, chorei igual um bebezinho quando Nemo entende que o farol não serve para proteger os viajantes, mas sim, guiá-los em sua jornada, assim como seu pai. O filme traz uma reflexão profunda sobre a paternidade e a importância da relação de pai e filha, além de demonstrar a importância da conexão entre familiares e como é possível se abrir para o mundo, mesmo depois de muito tempo recluso.

Eu recomendo que assistam! É um bom filme para passar o tempo e deve agradar a públicos de todas as idades, principalmente devido aos elementos fantásticos. Se Jason Momoa fará papéis cômicos e fora de sua zona de conforto novamente não sabemos, mas creio que podemos dar uma chance para ele mostrar que pode fazer mais do que apenas personagens broncos, violentos e sem sentimentos.

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Milena Demetrio

Brasil. Ciências Econômicas, Unicentro, PR. Mestre e Doutoranda PPGDR, UTFPR. Culture, Development, Feminism, Agriculture and Healthy Eating.